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sexta-feira, 31 de julho de 2009

Um novo ENEM com a velha exclusão



Texto dos camaradas de luta do Instinto Coletivo, da UnB

Brasília, 30 de julho de 2009.




O que é o ENEM?

O ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), criado em 1998 no Governo
Fernando Henrique Cardoso, é uma prova facultativa que visa aferir o
nível de raciocínio de estudantes concluintes ou que já tenham
concluído o ensino médio. A adesão ao ENEN aumentou com o início da
isenção da taxa de inscrição para estudantes de escolas públicas.
Entretanto, o crescimento exponencial do exame veio a partir de 2004,
quando o MEC vinculou a concessão de bolsas em IES (Instituições de
Ensino Superior) privadas ao resultado individual do ENEM. Essas
bolsas, integrais ou parciais, eram recebidas através do ProUni
(Programa Universidade para Todos).
O responsável pela elaboração do ENEM é o INEP (Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). Segundo este órgão,
as questões da prova seguem a Lei 9.394/96, ou LDB (Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional), bem como os PCN (Parâmetros
Curriculares Nacionais) para o ensino médio. Ainda de acordo com o
INEP, toda a formulação do ENEM foi amplamente debatida com a
comunidade acadêmica. Portanto, o exame foi criado como forma de
avaliação e com o passar dos anos tornou-se também um meio de seleção
para IES. O MEC chega a afirmar que o resultado na prova “pode servir
como complemento do currículo para seleção de emprego”.


Novo ENEM: A proposta do MEC

Em 2009 o ENEM ganha uma nova metodologia. O Ministério da Educação
justifica a reformulação do ENEM por 2 pontos: uma reestruturação do
currículo do Ensino Médio e a possibilidade de mobilidade acadêmica.
Sobre o primeiro ponto, a alegação do MEC é que o atual ensino médio é
bastante conteudista, quase não permitindo um raciocínio mais
reflexivo dos estudantes. Sobre a centralização dos processos
seletivos, o ministério acredita ser uma forma de democratização do
aceso.
Contando com 180 questões (antes eram 63) de múltipla escolha, o novo
ENEM abordará 4 grandes áreas, a saber: linguagens e códigos
(incluindo redação), ciências humanas, ciências da natureza e
matemática. Cada área terá um peso diferente, assim como a redação. O
ministério garante que a tecnologia correspondente a cada área está
contemplada na proposta, além do mesmo continuar a ser voluntário. A
avaliação será realizada tendo como metodologia a Teoria de Resposta
ao Item (TRI) e o conteúdo da prova vai ser elaborado pelo Comitê de
Governança. A inscrição será feita pela internet e a prova já tem data
para ocorrer: 3 e 4 de outubro de 2009.
Deste modo, a partir de 2009 haverá duas formas de adesão ao novo
ENEM. A primeira é o SSU (Sistema de Seleção Unificado), onde o
referido exame substituiria o vestibular da instituição. O estudante
que optar por uma universidade que aderiu à esse modelo poderá
escolher 5 cursos distintos em diferentes regiões do país. A segunda é
um modelo híbrido (complementar) em que os estudantes fazem o ENEM e
as IES podem ter uma segunda fase própria. As universidades podem
então adotar uma parte da nota do exame para compor a nota final de
seu próprio processo seletivo.
Para as IES que optarem pelo SSU, há 4 formas de adesão: fase única,
primeira fase do processo seletivo, para preenchimento de vagas
remanescentes do vestibular e combinado com o vestibular da IES
(aproveitamento da nota do novo ENEM na seleção). Outro ponto
importante é que a escolha do curso se dará somente após o recebimento
da nota.


Os problemas do novo ENEM

O Novo ENEM irá criar um ranking dos estudantes mais preparados,
contribuindo para reduzir as chances de acesso àqueles que não tiveram
uma educação de boa qualidade. Havendo a mobilidade esperada, é
bastante provável que essa migração se dê do sul/sudeste, onde existem
escolas melhores, para as universidades de outras regiões. Esses
estudantes, depois de formados, retornarão às suas cidades de origem,
agravando a carência de profissionais qualificados em áreas mais
necessitadas. Como as disparidades de ensino regionais na educação
básica não foram corrigidas, o mecanismo já existente de exclusão via
vestibular será ampliado.
O modelo de inscrição no curso, que será feito com base na nota do
ENEM atualizada diariamente, segundo o próprio MEC, irá criar uma
espécie de bolsa de valores dos cursos: quem tem as melhores notas
escolhe o curso e a universidade e por mais que não consiga ser
aprovado vai caindo de posição de acordo com sua opção de curso. O
resultado disso vão ser turmas que serão verdadeiros bancos de
reservas, principalmente de cursos com nota de corte mais baixa, que
começarão a ser freqüentados, em maior escala, por quem não conseguiu
passar para os cursos de maior nota de corte e concorrência – a evasão
continua a ser um problema recorrente. Outra conseqüência é que
aumentará a escolha do curso por meio da nota e não de acordo com as
habilidades pessoais ou desejo de seguir determinada profissão.
No Novo ENEM, assim como no IDEB e no ENADE, há uma culpabilização dos
estudantes pelo fracasso do sistema educacional – a inversão de foco
proposital realizada pelo governo. A avaliação do sistema de ensino
será medida pelo desempenho do aluno na prova, ignorando as demais
condições e variáveis que influenciam. A prova também não valoriza as
regionalidades existentes no país, o que é uma política do MEC para
todas suas avaliações. Essa política é compreensível até certo ponto
por se tratar de uma prova que visa observar a educação em nível
nacional, mas poderia ter uma parte geral e outra regional, ainda que
implicasse uma modificação no caráter do SSU.
O MEC também queria vincular a participação dos egressos do Ensino
Médio ao Novo ENEM para aquisição do diploma, ignorando a freqüência e
aprovação nas disciplinas. Felizmente, voltou atrás e reconheceu que
se é o próprio MEC quem avalia a qualidade da educação, tanto pública
quanto privada, é contraditório utilizar a nota do Novo ENEM como
certificado de aptidão do estudante.
A partir do Novo ENEM, a indústria de cursinhos para vestibular vai
aumentar exponencialmente, o que já pode ser observado na mídia. Essa
lucrativa indústria, que especula sobre a disputa, apenas mudará a
lógica: os cursinhos destinados à vestibulares específicos tenderão à
fundir-se e criar redes de cursinhos, uma vez que o vestibular Será o
mesmo em todo o país – além de não acabar com o vestibular, acirra
ainda mais a disputa por poucas vagas. Observando o ENEM, a nota dos
estudantes de escolas públicas se aproxima das notas dos estudantes de
escolas particulares. Isso acontece porque o ENEM não é critério para
se entrar na universidade pública, o que faz com que os estudantes de
escolas particulares não se preparem para ele. Com a adesão das
universidades públicas ao Novo ENEM, essa situação irá mudar e os
estudantes de escolas particulares vão focar seu estudo nesse tipo de
prova. Os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) do Ensino Médio irão
ser mudados para atender ao Novo ENEM e os estudantes mais preparados
tendem a ganhar com essa padronização.
Para a modalidade SSU, caso haja a mobilidade esperada, não será
necessário o acompanhamento de maior investimento em assistência
estudantil nas mesmas proporções. Isso porque o Novo ENEM irá elitizar
ainda mais as universidades públicas com a opção de 5 cursos, em que a
maioria que passar no vestibular não serão estudantes de baixa renda.
Olhando por outro lado, caso haja a grande mobilidade de estudantes
carentes esperada, os recursos na ordem de R$ 200.000,00 que o MEC
oferece como excedente não cobrem nem as carências atuais de
assistência estudantil e, muito menos, com uma maior mobilidade de
estudantes entre estados. Embora a intenção de mobilidade seja uma
atitude louvável, de quem quer que seja, ela não será concretizada
como o Novo ENEM está organizado hoje. A possibilidade de fazer a
prova de uma universidade de um estado distante na própria cidade é um
aspecto positivo, porém irrelevante diante de tantos problemas.
Sobre o formato da avaliação, não está claro quem será o Comitê de
Governança, responsável pela elaboração e logística de aplicação das
provas. Isso tem sérias implicações na adesão por parte de algumas
universidades federais que tem um sistema consolidado de processo
seletivo para a graduação, como é o caso do CESPE (Centro de Seleção e
Promoção de Eventos) na UnB. O CESPE usa uma matriz de avaliação
própria em que a marcação em desacordo com o gabarito oficial gera
penalidade além da não pontuação. O que parece ser uma mera
metodologia, para um centro especializado em provas (não só de
vestibular mas também de concursos), esse é um ponto substancial.
Outrossim, o MEC não aceitaria que o Novo ENEM se tornasse uma prova
da UnB, nem a UnB aceitaria o Novo ENEM sem algumas concessões, como a
prova de línguas – um dos principais pontos que fez a UnB não entrar
no Novo ENEM em 2009.
A Adesão da UnB ao Novo ENEM vai se dar em 2011 e foi completamente
antidemocrática. Tal qual o REUNI, mais uma vez a Universidade de
Brasília adere a uma política do MEC sem ampla discussão com a
comunidade universitária e com a sociedade como um todo, aprovando às
pressas e sem clara formulação sobre as conseqüências reais dessa
adoção. Prova disso é o Encceja (Exame Nacional para Certificação de
Competências de Jovens e Adultos) ser substituído pelo Novo ENEM, o
que quer dizer que a avaliação vai ter um foco muito grande e isso
gera distorções que não permitem aferir o resultado para nenhum dos
públicos que realiza a prova, somente permite um ranking por exclusão
e bastante difuso.
Assim, o Movimento Instinto Coletivo posiciona-se contra o Novo ENEM,
entendendo que esse debate deve ser colocado para o conjunto da
universidade, principalmente dos cursos de licenciatura que tem uma
relação maior com as escolas da educação básica. Tal medida é
imprescindível para que a universidade pública não se torne uma mera
cobaia de políticas que também estão imbuídas de promoção politiqueira
e discursos eleitoreiros de inclusão, que empurram a culpa da educação
de má qualidade para o lado do povo brasileiro e não da
responsabilidade administrativa que o governo deve ter.

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