O Enem deve substituir o vestibular das IFES, como propõe o MEC?
César Augusto Minto - 1º vice-presidente da Adusp-S. Sind.
Em primeiro lugar, sempre questionei o uso de exames nacionais (tal como ocorrem hoje...) para os fins propostos: enquanto instrumento de avaliação, seja de estudantes, seja de instituições educacionais, sem que se considere efetivamente a estrutura e o funcionamento dessas unidades e, por consequência, as condições que elas colocam à disposição das pessoas que a frequentam como profissionais ou como estudantes. Vale dizer: a dimensão estrutura física (adequação de salas, existência de biblioteca e laboratórios bem equipados e em funcionamento etc.); a dimensão pedagógica (relações desejáveis de estudantes/docente, de estudantes/funcionário técnico-administrativo, material didático condizente, equipamentos técnicos e tecnológicos à disposição dos usuários etc.); e a dimensão trabalhista (condições de trabalho e salário dos trabalhadores em educação que militam na unidade, no sistema). Pois bem, sem que tudo isso seja considerado, é razoável supor que os exames nacionais (tal como ocorrem hoje...) apenas e tão somente cumprem o papel de revelar uma “foto instantânea” do desempenho de um indivíduo e/ou de uma instituição em situações muito particulares e datadas – alternativa altamente questionável para poder-se concluir algo para além de um retrato instantâneo em situação específica.
Em segundo lugar, supondo que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) modificado pudesse, de fato, aferir menos memorização, maior capacidade analítica e, ao mesmo tempo, comprovar domínio de conteúdos em língua portuguesa, matemática, ciências naturais e ciências humanas e, ademais, desempenho como redator (isto tudo seria possível?), tal reformulação teria como suposto mérito uniformizar as condições de acesso às Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) em todo o território nacional. Portanto, se viável, essa alternativa tornaria, digamos, mais igualitária as chances de acesso ao ensino superior no Brasil continental – norte, sul, leste, oeste e Distrito Federal –, mas ainda assim caberia questionar quem seria o (a) estudante supostamente “beneficiado” pela adoção dessa alternativa (condição social, econômica, de migração efetiva etc.). Por outro lado, tal reformulação teria, eventualmente, o demérito de camuflar as condições de absoluta desigualdade social e econômica a que está submetida parcela significativa da população brasileira, também pela sua origem regional, étnica, de gênero etc.
Em terceiro lugar, apesar da intenção – eventualmente honesta e sincera – dos propositores da modificação em debate, parece inegável que ela não atingiria o cerne da questão, pois essa reformulação continuaria não garantindo o acesso de todos à educação superior pública (no caso, às IFES). Ou seja, não se trabalha com a perspectiva de garantir o direito de todos os que queiram ter acesso à educação superior pública. Isso é muito preocupante, pois não seria um fato menor a contribuir para reforçar a sensação de fracasso individual, nos casos de não aprovação no tal exame modificado, ao invés de, por exemplo, adotar um modelo de ampliação sistematicamente progressiva de IES públicas (a adoção do ProUni mostra o contrário...), começando, também por exemplo, pela durrubada [derrubada] dos vetos de FHC ao Plano Nacional de Educação (Lei nº 10.172/2001) e por isentar a educação do mecanismo da DRU. Tais medidas permitiriam mais recursos para a citada ampliação, tanto em nível federal, como estadual. Por outro lado, nada tem sido feito em paralelo para tentar valorizar as profissões que requeiram apenas formação escolar de nivel médio, o que poderia amenizar a demanda (real ou induzida...) por educação superior pública.
Seja como for, a proposta de modificação do acesso às IFES merece amplo debate. O ANDES-SN e nós, professores universitários, temos muito a contribuir nessa discussão. Mãos à obra!
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